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Uber: muito mais do que um aplicativo de carona

Empresa transnacional Uber, avaliada em torno de US$ 50 bilhões, inicialmente se dizia um simples “aplicativo de carona”, e hoje apresenta-se como uma “plataforma que liga pessoas que desejam se deslocar nas cidades”. Apesar de sua negação, o Uber é uma megacorporação de transporte de passageiros, que nasceu para atender um grupo de amigos em São Francisco, em 2009, e depois se espalhou mundo afora com a criação do seu aplicativo.

No plano do consumidor, não há dúvidas de que o usuário ganhou com a entrada deste serviço disruptivo. Ao romper com o monopólio dos táxis, o Uber acirrou a concorrência do mercado de mobilidade urbana, forçando a queda das tarifas e a melhoria no atendimento ao público.

Quanto aos motoristas contratados, o Uber os considera meros “parceiros autônomos”, dentro do conceito de self-employment (autoemprego), sistema forte no atual contexto de economia sob demanda. Só em 2015 a Economia Colaborativa movimentou em torno de US$ 15 bilhões, sendo que até 2025 deverá chegar à casa dos US$ 335 bilhões, conforme estimativa da consultoria PricewaterhouseCoopers (PWC). Resta saber se essa relação é realmente autônoma ou de autêntico emprego. Vamos aos fatos.

No modelo Uber, a admissão do motorista como “driver” e “colaborador do sistema” ocorre pelo preenchimento de um cadastro, mediante a comprovação da habilitação para dirigir, seguro e documento do veículo, além da certidão negativa de antecedentes criminais. A partir disso, o motorista submete-se a um breve treinamento virtual em relação ao uso do aplicativo, tarifas, atendimento ao usuário, avaliações e demais condições de trabalho. Há, ainda, uma série de mecanismos de controle de seus motoristas, a maior parte delas por meio de um sistema de algoritmo. Assim, o trabalhador (“parceiro”) que ignorar o passo a passo fixado pela empresa contratante deixará de receber a contraprestação que lhe é devida. Vale dizer: o algoritmo, automaticamente, glosará o pagamento.

Por outro lado, o motorista insere-se nas diretivas da empresa, a exemplo do sistema de avaliação, em que o usuário do transporte atribui uma nota (de uma a cinco estrelas) conforme a performance e o atendimento, a rota utilizada e o estado de conservação do veículo. Assim, o passageiro atua como uma espécie de preposto avaliador do Uber.

Diante destes fatores, estamos convencidos de que estes trabalhadores não podem ser considerados autônomos, seja porque a relação de trabalho é pessoal e essencial à atividade da contratante, seja porque é o Uber quem regula o valor das tarifas diferenciadas, indica qual motorista deverá atender a chamada do usuário, glosa eventuais incidentes de recusa, além de receber o pagamento diretamente do consumidor e criar um sistema de avaliação do motorista.

Trata-se, pois, de um contrato de trabalho atípico que merece regulação diferenciada pelo legislador, como ocorreu com o teletrabalhador, o intermitente e o próprio taxista empregado (artigo 6.º da Lei 12.468). Enquanto isso não se realiza, ao julgador caberá reconhecer a relação de emprego, com base nos dispositivos da legislação trabalhista (artigos 3.º e 6.º da CLT) . Noticie-se que, em pioneira decisão do tribunal inglês, um grupo de motoristas do Uber da cidade de Londres teve reconhecida sua condição de empregado (“workers”). Na sentença do Employment, reafirmou-se o velho e conhecido princípio segundo o qual “os contratos são o que são, não o que as partes dizem que são”.

(*) José Affonso Dallegrave Neto, advogado, doutor pela UFPR e pós-doutor pela Universidade de Lisboa, é presidente da Câmara Nacional de Arbitragem Trabalhista (Canatra).

Fonte: Gazeta do Povo


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