O fim de um contrato de trabalho costuma gerar dúvidas. Nem sempre o rompimento é amigar e , por isso, é fundamental que as duas partes entendam quais são as formas do fim do contrato.
Há a rescisão do contrato de trabalho por iniciativa do empregado, que chamamos popularmente de “pedido de demissão”, a rescisão iniciativa do empregador, sem justa causa, e a rescisão com justa causa, essa feita mediante a apresentação de uma justificativa adequada, ligada ao comportamento do empregado. Além dessas três formas de rescisão do contrato de trabalho, existe mais uma: a rescisão indireta, que poucos conhecem.
Quando um trabalhador está empregado, mas vivenciando problemas junto ao empregador, ele pode se sentir preso e desamparado pela lei. Ele quer sair para buscar um emprego melhor. No entanto, nenhuma solução parece adequada.
Por um lado, se ele pedir demissão, tem que abrir mão de direitos e, por outro, se tentar levar a empresa a tomar a iniciativa, arrisca sofrer uma dispensa por justa causa e perder direitos do mesmo jeito.
O que esses profissionais não sabem é que o Direito Trabalhista brasileiro reconhece a possibilidade de que a rescisão do contrato de trabalho não seja culpa do empregado, mas do empregador. E, justamente para esses casos, ela prevê uma forma específica de rescisão do contrato de trabalho, que é a rescisão indireta.
Rescisão indireta
Uma maneira mais simples de defini-la é dizer que essa é uma forma de rescisão do contrato de trabalho por iniciativa do empregado, com justa causa do empregador. Nesse caso, um funcionário pode pedir demissão sem precisar abrir mão de suas verbas indenizatórias, quando a empresa para a qual ele trabalha tem um comportamento que justifique seu desejo de sair.
A rescisão indireta se parece um pouco com o pedido de demissão, porque quem toma a iniciativa é o empregado; e também se parece um pouco com a despedida sem justa causa, porque o empregador deverá pagar as verbas indenizatórias. Isso não é uma teoria de quem estuda o Direito e nem algo que os juízes criaram nos tribunais. A rescisão indireta está, de fato, prevista na própria legislação trabalhista.
Podemos vê-la no artigo 483 da CLT, onde também estão enumeradas as hipóteses em que a “justa causa do empregador” é cabível:
Art. 483 – O empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando:
a) forem exigidos serviços superiores às suas forças, defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao contrato;
b) for tratado pelo empregador ou por seus superiores hierárquicos com rigor excessivo;
c) correr perigo manifesto de mal considerável;
d) não cumprir o empregador as obrigações do contrato;
e) praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa fama;
f) o empregador ou seus prepostos ofenderem-no fisicamente, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;
g) o empregador reduzir o seu trabalho, sendo este por peça ou tarefa, de forma a afetar sensivelmente a importância dos salários.
Doenças psicossociais
Embora nenhuma das condições mencionadas fale sobre doenças psicossociais, com certeza três delas abrem espaço para esta questão: a primeira hipótese, ao falar em serviços superiores às forças do trabalhador; a terceira, ao falar em exposição a perigos; e a quarta, ao falar em descumprimento das obrigações contratuais.
Se um empregador demanda do empregado muito mais do que ele consegue entregar, isso pode dar origem a uma doença psicossocial, como a síndrome de burn out, que afeta profissionais submetidos a uma carga de trabalho excessiva.
Se um empregador expõe seu funcionário a perigos, mesmo que esses perigos nunca cheguem a se concretizar, ela também causa um estresse que pode levar ao desenvolvimento de quadros de ansiedade e depressão. Se o empregador descumpre obrigações contratuais, como o dever de prover um ambiente adequado para o trabalho, ele está justamente abrindo portas para o surgimento de doenças de todos os tipos, inclusive psicossociais.
Um caso concreto e atual é a situação de profissionais de saúde trabalhando no combate à pandemia. Eles trabalham muito mais do que em condições normais, frequentemente sem receber dos empregadores o equipamento de segurança necessário para sua proteção. Sem dúvidas, isso causa uma deterioração da condição psicológica e emocional desses profissionais.
Infelizmente, nos tribunais, não existe uma visão tão clara sobre esse assunto. Por isso, quando um empregado tenta fazer a rescisão indireta do contrato de trabalho alegando que o comportamento do empregador levou ao desenvolvimento de uma doença psicossocial, é preciso reunir provas documentais e localizar testemunhas para provar os fatos que acarretaram o prejuízo psíquico.
Consequências da Rescisão Indireta
O empregador deverá pagar ao empregado todas as verbas indenizatórias que são pagas quando ocorre uma despedida sem justa causa. Essas verbas são a multa sobre o FGTS e o valor referente ao aviso prévio indenizado.
No entanto, existe ainda uma outra consequência, embora ela não seja consenso no mundo do Direito Trabalhista. Alguns especialistas defendem que, com a declaração da rescisão indireta, o empregador também deverá pagar uma indenização de verdade ao empregado, pelo dano que possa eventualmente ter lhe causado.
Por exemplo, suponha que a rescisão indireta foi declarada porque o empregador não pagava o salário do empregado conforme estipulado no contrato. Por causa dos atrasos, o empregado sofre danos materiais: ele não consegue pagar as prestações do carro, ou fica com o aluguel atrasado, e acaba ficando endividado. Nesse caso, além de todas as verbas trabalhistas normais da rescisão, inclusive as indenizatórias, alguns especialistas defendem que o empregador também deveria pagar uma indenização especificamente para compensar estes danos materiais.
Como esta não é uma visão “pacificada” nos tribunais, isto é, nem todos os juristas concordam com a ideia de que essa indenização seria cabível, a questão acaba sendo resolvida caso a caso. Porém, cabe ao advogado apresentar o pedido da indenização, juntamente com a melhor argumentação possível a favor dela.
Fonte: Contábeis