Este mês o Código de Defesa do Consumidor (CDC) completa 31 anos. Promulgada em 11 de setembro de 1990, a Lei no 8.078 entrou em vigor em 11 de março de 1991, inserindo no ordenamento jurídico brasileiro uma política nacional para relações de consumo. Antes disso, os problemas no relacionamento entre consumidores e fornecedores de bens e serviços eram dirimidos pelo Código Civil, que se mostrava insuficiente para dar conta dos fenômenos cada vez mais sofisticados e dinâmicos decorrentes da moderna sociedade de consumo.
A necessidade de criar uma lei específica ficou ainda mais evidente ao se verificar que as mudanças econômicas ocorridas ao longo do tempo tornavam as relações de consumo mais complexas, colocando o consumidor em posição extremamente vulnerável. Nesse sentido, o CDC nasceu como uma resposta legal protetiva, objetivando ainda estabelecer a transparência e a harmonia entre consumidores e fornecedores. Mais do que uma legislação fiscalizadora e punitiva, o Código criou uma cultura de respeito aos direitos de quem consome produtos e serviços.
Certamente, todas essas finalidades às quais a lei se propõe ainda não foram alcançadas, mas é inegável que, em pouco mais de três décadas de vigência, o CDC trouxe enormes avanços em relação às práticas e aos costumes do mercado, estabelecendo novos parâmetros para as relações jurídicas entre consumidores e fornecedores. Para além disso, representou também um marco no exercício da cidadania, pois transformou o consumidor em cidadão portador de direitos que devem ser respeitados.
Ao contrário do que ocorre com muitas leis no Brasil, o CDC “pegou” e está presente no dia a dia do consumidor, sendo inclusive de fácil acesso. Afinal, por determinação da Lei no 12.291, sancionada em 20 de julho de 2010, é obrigatório que os estabelecimentos comerciais ou de prestação de serviços disponibilizem ao público um exemplar do Código para consulta. Muitos cidadãos, contudo, ainda têm dificuldade para compreender certos princípios e termos contidos nele. Para facilitar o entendimento, reunimos algumas das expressões encontradas no CDC e comumente utilizadas em matérias da Revista do Idec e em notas de nosso portal.
A - acidente de consumo: ocorre quando um produto ou serviço prestado com defeito provoca dano físico ao usuário ou a terceiros, mesmo quando utilizado de acordo com as instruções. Por exemplo, choque elétrico ao manusear aparelhos eletrodomésticos, corte ao abrir uma embalagem etc;
C - cláusula abusiva: cláusula contratual que cria um evidente desequilíbrio entre os direitos e as obrigações das partes envolvidas na relação de consumo, pois onera excessivamente o consumidor e favorece o fornecedor (o que em “juridiquês” significa vantagem manifestamente excessiva);
contrato de adesão: é aquele redigido pelo fornecedor, sem que o consumidor tenha a possibilidade de discutir ou modificar seu conteúdo. No entanto, as cláusulas que venham a limitar os direitos do consumidor devem estar destacadas e aquelas consideradas abusivas serão consideradas nulas (o consumidor deve procurar a Justiça para conseguir a declaração de nulidade da cláusula abusiva);
D - desconsideração da personalidade jurídica: a distinção entre pessoa jurídica e pessoa física surgiu para resguardar bens pessoais de empresários e sócios em caso de falência da empresa. Porém, muitas vezes, abusa-se dessa proteção para lesar credores/consumidores. Sempre que a personalidade jurídica for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores, o juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica, permitindo que os donos da empresa respondam com os próprios bens pela reparação do dano causado;
E - execução: é o procedimento legal por meio do qual se exige o cumprimento forçado de um direito reconhecido numa decisão judicial definitiva;
H - hipossuficiência: a hipossuficiência do consumidor tem relação com a sua carência econômica e é um dos requisitos para a inversão do ônus da prova (veja a letra “I”). Como o CDC determina que a defesa do consumidor seja facilitada, aquele que não puder arcar com os custos de um processo judicial será beneficiado com a isenção do seu pagamento, assim como dos honorários do perito, caso este seja necessário para a produção de provas;
I - inversão do ônus da prova: o CDC prevê a possibilidade de o juiz dar ao réu (fornecedor) o encargo (ônus) de provar que as alegações do autor da ação (consumidor) não correspondem à verdade dos fatos. Esse processo recebe o nome de “inversão do ônus da prova”. O juiz pode aplicá-lo se acreditar que a prova a cargo do consumidor é muito difícil de ser feita — por dificuldade econômica ou técnica de se provar os fatos constitutivos do seu direito — ou bastante onerosa. Ou ainda se estiver convencido de que os argumentos alegados pelo autor da ação são verossímeis;
L - liquidação de sentença: é o procedimento através do qual, tendo o processo chegado ao fim, se apura o valor a ser pago ao credor, a fim de que a sentença seja cumprida;
P - prescrição e decadência: ambas têm a mesma consequência jurídica: a impossibilidade de exigir o cumprimento de um direito que não foi exercido durante o período de tempo legalmente estipulado. Assim, a prescrição ocorre quando a reparação de um direito violado não é exigida judicialmente no prazo que a lei define. Por exemplo, quando ocorre um acidente de consumo (veja letra “A”), o direito de o consumidor ter acesso a um produto seguro foi violado. Ele tem, então, cinco anos para pedir a indenização na Justiça; se não o fizer nesse prazo, nunca mais poderá fazê-lo.
Já a decadência ocorre quando um fato gera um direito ao consumidor e e este não o exerce no prazo definido na lei. Por exemplo, quando um produto apresenta defeito, ele pode ser trocado. Esse direito precisa, obrigatoriamente, ser exercido no prazo estipulado na lei;
publicidade enganosa e abusiva: ciente de que hoje a publicidade tem grande impacto na vida do consumidor, podendo alterar hábitos, criar necessidades e mudar comportamentos, o CDC preocupou-se em coibir a publicidade enganosa e abusiva, ou seja, aquela que contém informações falsas ou incompletas sobre os elementos do produto e do serviço, desrespeitando valores éticos e induzindo o consumidor a adotar comportamentos prejudiciais à saúde ou segurança;
R - responsabilidade objetiva: é aquela na qual o causador do dano deve reparar a lesão sem a necessidade de provar sua culpa (por imperícia, imprudência ou negligência). Para caracterizá-la basta verificar a existência de vínculo entre a conduta/atividade do agente e o dano produzido (nexo de causalidade). O CDC estabeleceu a responsabilidade objetiva em todos os acidentes de consumo, quer decorrentes de fornecimento de produtos quer de serviços;
responsabilidade solidária (“solidariamente responsável”): ocorre quando mais de uma pessoa ou empresa pode ser responsabilizada, em igual intensidade, pelo cumprimento de uma obrigação. Por exemplo, o fabricante, o comerciante e o importador;
V - vício do produto ou do serviço: vício, para o CDC, é o mesmo que defeito. O vício do produto ou serviço pode ser de qualidade ou quantidade;
vulnerabilidade: na relação consumerista, a vulnerabilidade é um pressuposto de que o consumidor é a parte mais fraca da relação frente ao fornecedor de produtos ou serviços. A vulnerabilidade pode ser técnica (o consumidor não possui conhecimento sobre o produto ou serviço, podendo ser iludido); jurídica (falta a ele domínio de questões jurídicas, econômicas e financeiras presentes nessas relações); e fática ou socioeconômica (o consumidor, em geral, está em situação de inferioridade diante do poderio econômico do fornecedor);
S - sentença transitada em julgado: é aquela contra a qual não cabem mais recursos, tornando-se, portanto, definitiva e imutável.